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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O brega jurídico

Autor:José Eduardo de Resende Chaves Júnior - Presidente da Rede
Latino-americana de Juízes, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), juiz titular da 21ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, doutor em
direitos fundamentais, coordenador do grupo de pesquisas Gedel, sobre Justiça e
direito eletrônico da Escola Judicial do TRT-MG e membro do Instituto Brasileiro
de Direito Eletrônico (IBDE)


O brega jurídico é uma disciplina contemporânea e que caminha a passos largos
para sua plena autonomia didático-científica. Tem seus princípios reitores
próprios e específicos, que não se confundem com os tradicionalismos e vícios de
linguagem. O Brega Jurídico, com maiúsculas, não se limita ao formalismo
sintático ou semântico da linguagem; ele é mais profundo, não é apenas uma forma
de ser e estar no mundo forense, é todo um corpo filosófico abrangente, um
verdadeiro sistema, com conteúdo e personalidade.


Como não poderia ser diferente, o princípio essencial do brega jurídico é o
eloquente "Estado democrático de direito", que é clamado, sem dó nem piedade, na
contestação ou na porta do elevador, mesmo porque o brega é visceralmente
democrático, e não é próprio de nenhuma tribo específica da República dos
bacharéis, ele contagia todo mundo: juízes, promotores, advogados, funcionários
judiciários, estudantes, estagiários e até peritos.


Mas para falar sobre o brega jurídico a primeira e transcendental questão que se
apresenta é a respeito da própria fonte a ser usada. A indefectível Times New
Roman, por exemplo, dada sua aparente neutralidade, é um recurso largamente
usado para encobrir o fenômeno brega – muito embora o chique mesmo, seja usar
Courrier New ou mesmo, a novíssima fonte ecológica (Spranq eco sans), que são
mais rápidas e econômicas.


O brega jurídico, entretanto, não sucumbe nem mesmo diante da elegância formal
da fonte do editor de texto; dotado de uma essência metafísica, de uma quididade
axiológica, o cafona jurídico consegue revelar sua verdade interior mesmo em
ambientes de escrita fashion.


O adepto do brega jurídico tem horror ao gerúndio, por confundi-lo com o
anglicismo do telemarketing (present continuous tense). Nada mais cordial e
brasileiro que um bom gerúndio, ora pois!


Há expressões clássicas e muito caras ao brega jurídico: "douto louvado", "o
mesmo" (pronome substantivo), "peça ovo", "exordial", "supedâneo", "operador do
direito" – que nenhum de nós consegue escapar. Mas o brega que é de raiz, não se
contenta com isso e manda ver também um "denota-se" ou um "dar ensanchas",
quando não um "em ressunta", "perfunctório", "perlustrar os autos",
"pronunciamento fósmeo", "recurso prepóstero", "tudo joeirado" e outros que
tais.


As versões mais eruditas do brega jurídico se insinuam inclusive na teoria
jurídica mais profunda. Enfiam Habermas no processo, e até Deleuze no direito.
Os mais prosaicos preferem excertos exotéricos, estrofes de pop music, axé ou
alguma pieguice literária, como epígrafe de peças processuais. Mas atenção:
citar os pronto-socorros jurídicos como doutrina é uma vertente eclética, que
pretende conspurcar o purismo do brega jurídico, injetando-lhe um quê de
insciência.


Na verdade, o brega jurídico não é um estilo de uma pessoa específica, senão de
uma persona, no sentido grego, da máscara que usamos no mundo dos autos. É a
nossa afetação linguística quando somos instados, nós, "operadores do direito"
(outra expressão típica do brega), a atuar no palco forense.


O brega jurídico é, em síntese, o papel social que desempenhamos, papel e
representação que inclusive a própria sociedade cobra do bacharel. Persona do
latim, ensinam os etmólogos, tem conexão com a origem grega de prosopopeia, que,
por sua vez, além do sentido de personificação, curiosamente, é também sinônimo
de discurso empolado.


Mas, tirando as máscaras, e despersonificando o discurso, brega mesmo é tentar
ditar regras estilísticas a alguém. Brega é pensar que sabe mais do que os
outros; brega, enfim, é não ter cuidado com a sensibilidade alheia, inclusive
com a sensibilidade linguística. Tentando arrancar, assim, a nossa carapuça,
brega somos todos nós e essa nossa linguagem judiciária, que ricocheteia,
perdida, entre a retórica e a equidade, sem saber por onde escapulir.


Mas será que bom gosto jurídico é uma contradição em termos? Será que o mundo
jurídico está fadado de forma inexorável ao brega forense? Pessoa nos lembra que
não "seriam cartas de amor se não fossem ridículas" e esse, talvez, seja o
consolo para o nosso arsenal esdrúxulo e kitsch do direito.

Fonte: Jornal Estado de Minas – 07/02/2011 – Caderno Direito & Justiça

2 comentários:

  1. Bacana o post!

    O texto dele é bem legal e como ele bem diz: quem escapa do brega jurídico? Quem? A língua é reinventada o tempo todo - nós a reinventamos, as tecnologias a reinventam, ela se adapta a essas mudanças e, claro, os "breguismos" se modificam ou... se atualizam. Alguns permanecem; outros, não. Mas a permissão - por que não haveria? - para esses breguismos decorre da dinâmica da língua - como falamos, como queremos aparecer pela fala, a mensagem que queremos passar, o que queremos ocultar... a língua que falamos nos autoriza a inventar novos breguismos. Talvez, no direito, eles ocorram mais por haver tbm um certo charme ou graça - que beira o ridículo - que faz com que sejamos todos no fundo um pouco ou muito ou bastante bregas. Tbm tenho minha lista de expressões bregas ou "fashion" - quem não tem?

    Uma ótima semana!

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