Acervo João Guimarães Rosa no Instituto de Estudos Brasileiros da USP
O Acervo João Guimarães Rosa, sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, é constituído pela biblioteca do escritor, composta de aproximadamente 3.000 volumes, e por um conjunto muito rico, variado e importante de documentos que dizem respeito tanto à vida pessoal quanto à carreira literária e diplomática do autor de Grande sertão: veredas. Mas é, sobretudo, a coleção de mais de 9 mil documentos que nos possibilita um exame da trajetória pessoal e literária do escritor, pois reúne uma enorme diversidade de materiais, que incluem desde documentos pessoais, fotografias e correspondência do escritor, assim como originais em diferentes fases de elaboração, manuscritos, cadernos, cadernetas e pastas contendo estudos para a obra, recortes de jornal e impressos avulsos.
Suas pastas, volumes e cadernos tratam de uma variedade surpreendente de assuntos — zoologia, heráldica, religião, xadrez, costumes, roupas, culinária, filosofia, pintura, literatura, cultura popular —, oferecendo uma prova cabal do ânimo investigativo e curioso do escritor, demonstrado na impressionante massa documental que lhe serviu de alicerce e material. Ali, se o pesquisador da língua aparece nos incontáveis estudos de vocabulário e expressões, o estudioso da cultura, tanto erudita quanto popular, também se faz presente.
A mistura programática desses saberes faz da obra de Rosa um lugar permanente de negociação entre a modernidade urbana e a cultura tradicional-oral das comunidades rurais, ou de articulação entre o espírito de vanguarda e o interesse no regional, o que, superando dualismos e dicotomias, resulta numa mescla de formas cultas e populares, arcaísmos e neologismos e regionalismos e estrangeirismos. Guimarães Rosa é autor de uma obra que se configura como um espaço de tensões entre rural e urbano, entre arcaico e moderno, entre oral e escrito, atuando como um mediador entre duas ordens diversas de experiência — papel esse facultado pela situação muito particular de ele ter sido simultaneamente um homem do sertão e um cidadão do mundo.
O Arquivo documenta todo esse processo de formação do homem e do escritor, permitindo-nos acompanhar de perto o trabalho paciente e lento de coleta e armazenamento de documentação que Guimarães Rosa levou a cabo e que se concretiza na enorme massa documental reunida nas diferentes séries. Nela, é possível testemunhar o gesto deliberado e consciente de um autor que procurou municiar-se de dados de toda ordem para compor seu universo ficcional.
Guimarães Rosa coleciona citações, fotos, desenhos, listas de palavras, recortes de jornal — registros de um trabalho artesanal acumulado nos cadernos e pastas como fragmentos do real prontos a se articularem em novas constelações de significados. Percorrer seu Arquivo é deparar-se a todo instante com essa vasta coleção de fragmentos oriundos de tempos e tradições diversos, prontos para saírem de seu estado virtual e construírem novos feixes de significação.