Supremo Tribunal Federal

Pesquisar este blog

segunda-feira, 4 de maio de 2015

PLANO DE SAÚDE - CANNABIDIOL - RECOMENDAÇÃO MÉDICA - NEGATIVA DE COBERTURA - CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA.

Relator: Des.(a) JOSÉ ARTHUR FILHO
Data da decisão: 09/02/2015
Data da publicação: 12/02/2015
Decisão:
PLANO DE SAÚDE - CANNABIDIOL - RECOMENDAÇÃO MÉDICA - NEGATIVA DE COBERTURA - CLÁUSULA CONTRATUAL ABUSIVA.
- O Colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado (STJ, AgRg no Ag 1325939 / DF, Ministro RAUL ARAÚJO, 09/05/2014).

- Havendo necessidade, por expressa recomendação médica, de que o segurado utilize determinado medicamento, deverá o plano de saúde assistir o paciente, sendo nula de pleno direito a cláusula que exclui sua cobertura porque importado ou ministrado em domicílio.

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0713.14.012874-3/001 - COMARCA DE VIÇOSA - AGRAVANTE(S): UNIMED VICOSA COOP TRABALHO MEDICO LTDA - AGRAVADO(A)(S): M.A.S.A. REPRESENTADO(A)(S) P/ PAI(S) M.C.O.S.A.T.A.S.A.
Vistos.
Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento com Pedido de Efeito Suspensivo interposto por UNIMED VIÇOSA - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, contra a decisão de fls. 165/173-TJ, proferida nos autos da "Ação Ordinária de Obrigação de Fazer Cumulada com Pedido Liminar em Antecipação de Tutela" ajuizada por M.A.S.A., neste ato representada por seus genitores, que deferiu parcialmente a tutela antecipada, para determinar que a Agravante forneça à Agravada o medicamento "Hemp Oil - cannabidiol - CBD", na dose e período indicados na receita de fl. 49-TJ, providenciando a sua importação e entrega no endereço da paciente, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais), até o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em suas razões de fls. 03/24-TJ, aduz a Agravante, em síntese: a)- que o contrato celebrado entre as partes é do tipo "novo", regido, pois, pela Lei nº 9.656/98; b) - que inexiste determinação da ANS ou previsão no plano de saúde contratado de cobertura de medicamentos ou assistência médica no domicílio do paciente (home care); c) -que a empresa de assistência à saúde está desobrigada a fornecer remédios importados não nacionalizados ou para tratamento domiciliar; d) - que não há estudo conclusivo sobre a eficácia do "Hemp-oil-canabidiol-CDB", tratando-se de produto importado e não registrado na ANVISA, o que atrai as normas contratuais de exclusão de cobertura.
Pugna pela concessão do efeito suspensivo ao agravo e, ao final, seja o mesmo provido para revogar definitivamente a decisão de primeiro grau.
É o relatório.
DECIDO.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento interposto pela parte ré.
Compulsando a petição recursal, nesta oportunidade de cognição sumária, vislumbro, de plano, encontrar-se o presente agravo em manifesto confronto com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o que pode conduzir este relator, em decisão monocrática, a negar-lhe seguimento liminarmente, com fulcro no art. 527, inciso I, c/c art. 557, caput, do Código de Processo Civil. Confira-se:
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:
I - negar-lhe-á seguimento, liminarmente, nos casos do art. 557;
(...)
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
(...)
Da exegese dos dispositivos legais acima, depreende-se que deve o relator avaliar de forma objetiva a presença ou não do cabimento da irresignação, improcedência ou procedência do recurso, e, ainda, se a questão se encontra em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal ou de Tribunal Superior. Existindo esses requisitos, é possível, e até mesmo exigida, a atuação monocrática.
Examinando os autos, notadamente, o atestado médico de fl. 45-TJ e a receita de fl. 49-TJ, ambos emitidos pelo neurologista Dr. Emerson Mauro Brandi - CRM 30287 MG, profissional médico responsável pelo tratamento da Agravada, verifica-se que essa é portadora de Síndrome de Prader-Willi e Síndorme de West, com epilepsia refratária e crises epiléticas diárias, estando indicado o tratamento com CANABIDIOL para o melhor controle de suas crises.
Não obstante, das fls. 44-TJ, consta autorização excepcional concedida à Agravada pela ANVISA, para importação do produto HEMP OIL (RSHO) - cannabidiol (CBD), o que, como bem evidenciou o d. magistrado a quo, "demonstra que sua situação se encaixa nos termos da Agência Reguladora de pacientes com síndromes que levam a espasmos e epilepsia e que encontram no CBD a melhor resposta terapêutica para seus tratamentos proporcionando extrema melhoria em seu quadro de saúde" (fl. 167-TJ).
Em que pesem as alegações da Agravante de ausência de cobertura contratual para o fornecimento do referido produto, certo é que ao contrato firmado entre as partes aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de nítida relação consumerista (Súmula nº 469, STJ).
Assim, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, sendo nulas de pleno direito as disposições relativas ao fornecimento de serviços que restrinjam "direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual" (artigos 47 e 51, do CDC). Sobre o assunto, veja o que diz o STJ, mutatis mutandis:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AUTORIZAÇÃO. NEGATIVA DE COBERTURA. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO DOMICILIAR. CARÁTER ABUSIVO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA 83/STJ. PRECEDENTES.
1. A col. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as matérias que lhe foram submetidas, motivo pelo qual o acórdão recorrido não padece de omissão, contradição ou obscuridade. Não se vislumbra, portanto, a afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil.
2. O eg. Tribunal estadual, ao estabelecer a obrigatoriedade de o plano de saúde proceder a tratamento domiciliar, decidiu em conformidade com a jurisprudência desta Corte no sentido de considerar que "a exclusão de cobertura de determinado procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do contrato" (REsp 183.719/SP, Relator o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 13.10.2008).
3. O v. aresto atacado está assentado na afirmação de que, em se tratando de contrato de adesão submetido às regras do CDC, a interpretação de suas cláusulas deve ser feita da maneira mais favorável ao consumidor, bem como que devem ser consideradas abusivas as cláusulas que visam a restringir procedimentos médicos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 292.259/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/08/2013)
     Por óbvio, a indicação do tratamento do paciente se faz pelo médico que o assiste, após a cuidadosa avaliação do quadro apresentado, não cabendo aos convênios exercerem ingerência sobre a pertinência ou não da terapêutica indicada.
Ao manifestar-se a respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que contratos desta espécie podem dispor sobre as patologias cobertas, mas não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada, na medida em que, se assim não fosse, estar-se-ia autorizando que a empresa se substituísse aos médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente, o que é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico, que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente(REsp 668.216/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ 02/04/2007, p. 265).
     Nesse mesmo sentido, mutatis mutandis, trago à colação, para conferência, outros julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 458, II, E 535 DO CPC. PRAZO PRESCRICIONAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA DATA DA RECUSA DO PAGAMENTO PELA SEGURADORA. SÚMULA 7/STJ. TRATAMENTO HOME CARE. RECUSA INDEVIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há ofensa aos artigos 458, II, e 535 do CPC, se o Tribunal dirimiu as questões que lhe foram submetidas e apresentou os fundamentos nos quais suportou suas conclusões, e manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.
2. Firmado no acórdão estadual que a Seguradora não se incumbiu de "demonstrar as datas em que, inequivocamente, a segurada teve seus pedidos de pagamentos de despesas negados", termo a partir do qual se iniciaria o lapso prescricional, o exame da irresignação recursal esbarra na Súmula 7 do STJ.
3. De acordo com a orientação jurisprudencial do STJ, o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento domiciliar quando essencial para garantir a saúde ou a vida do segurado.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1325939/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 09/05/2014)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL. MEDICAMENTO AMBULATORIAL OU DOMICILIAR.
1.- A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas.
2.- "É abusiva a cláusula contratual que determina a exclusão do fornecimento de medicamentos pela operadora do plano de saúde tão somente pelo fato de serem ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar." (AgRg no AREsp 292.901/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 04/04/2013).
3.- Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 300.648/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2013, DJe 07/05/2013)
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 6º DA LICC. ANÁLISE VEDADA EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. PLANO DE SAÚDE. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE STENTS DA COBERTURA SECURITÁRIA. DECISÃO MANTIDA.
1. A matéria contida no art. 6º da LICC (atual LINDB) tem índole constitucional, razão pela qual é vedada a análise em recurso especial.
2. O recurso especial não comporta o exame de questões que demandem o revolvimento de cláusulas contratuais e do contexto fático-probatório dos autos, em razão da incidência das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
3. Está consolidado nesta Corte o entendimento segundo o qual é abusiva a cláusula contratual que exclua da cobertura do plano de saúde algum tipo de procedimento ou medicamento necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas pelo referido plano. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 190.576/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013)
     No caso dos autos, diante da expressa indicação médica e autorização da ANVISA do uso do canabidiol no tratamento da Agravada, cuja patologia encontra-se devidamente coberta pelo plano de saúde, abusiva a negativa da Agravante de custeio do medicamento, sob pena de prejuízos irreparáveis à saúde, ou até mesmo à vida da paciente.
     Por todo o exposto, com respaldo nos princípios do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, bem assim no que determinam os artigos 527, inciso I, e 557, caput, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO AO AGRAVO, uma vez que o recurso encontra-se em manifesto confronto com a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Custas pela parte sucumbente na demanda, a serem recolhidas em Primeira Instância, ao final.
Publique-se. Intimem-se.
     Belo Horizonte, 06 de fevereiro de 2015.
DES. JOSÉ ARTHUR FILHO
Relator