Supremo Tribunal Federal

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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

União homoafetiva: julgamento é interrompido com quatro votos favoráveis e dois
contrários


A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), votou pela
possibilidade de reconhecimento da união estável homossexual, no que foi
seguida por outros três ministros. O julgamento, que ocorre na Segunda Seção do
STJ, foi interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo. Dois votos
foram contrários à possibilidade do reconhecimento. Falta votar quatro
ministros para a conclusão do julgamento, mas o presidente da Seção só julga em
caso de empate. Não há data prevista para que o julgamento seja retomado.


Para a relatora, as uniões de pessoas de mesmo sexo se baseiam nos mesmos
princípios sociais e afetivos das relações heterossexuais. Negar tutela
jurídica à família constituída com base nesses mesmos fundamentos seria uma
violação da dignidade da pessoa humana. O posicionamento foi seguido pelos
ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Aldir Passarinho
Junior.


Segundo a relatora, as famílias pós-modernas adotam diversas formas além da
tradicional, fundada no casamento e formada pelos genitores e prole, ou da
monoparental, inclusive a união entre parceiros de sexo diverso que optam por
não ter filhos. "Todas elas, caracterizadas pela ligação afetiva entre seus
componentes, fazem jus ao status de família, como entidade a receber a devida
proteção do Estado. Todavia, acaso a modalidade seja composta por duas pessoas
do mesmo sexo, instala-se a celeuma jurídica, sustentada pela
heteronormatividade dominante", sustentou a ministra Nancy Andrighi.


"A ausência de previsão legal jamais pode servir de pretexto para decisões
omissas, ou, ainda, calcadas em raciocínios preconceituosos, evitando, assim,
que seja negado o direito à felicidade da pessoa humana", afirmou.


Segundo a ministra, "a negação aos casais homossexuais dos efeitos inerentes ao
reconhecimento da união estável impossibilita a realização de dois dos
objetivos fundamentais de nossa ordem jurídica, que é a erradicação da
marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".


Para a relatora, enquanto a lei civil não regular as novas estruturas de
convívio, o Judiciário não pode ignorar os que batem às suas portas. A tutela
jurisdicional deve ser prestada com base nas leis vigentes e nos parâmetros
humanitários "que norteiam não só o direito constitucional brasileiro, mas a
maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo".


"Especificamente quanto ao tema em foco, a busca de uma solução jurídica deve
primar pelo extermínio da histórica supressão de direitos fundamentais – sob a
batuta cacofônica do preconceito – a que submetidas as pessoas envolvidas em
lides desse jaez", afirmou.


Segundo a ministra Nancy Andrighi, o STJ admite que se aplique a analogia para
estender direitos não expressamente previstos aos parceiros homoafetivos. Nessa
linha, as uniões de pessoas do mesmo sexo poderiam ser reconhecidas, desde que
presentes afetividade, estabilidade e ostensividade, mesmos requisitos das
relações heterossexuais. Negar proteção a tais relações deixaria desprotegidos
também os filhos adotivos ou obtidos por meio de reprodução assistida oriundos
dessas relações, destacou a ministra.


O ministro João Otávio de Noronha, que acompanhou a relatora, afirmou não haver
nenhuma proibição expressa às relações familiares homossexuais, o que garante
sua proteção jurídica. Noronha destacou que os tribunais brasileiros sempre
estiveram na vanguarda internacional em temas de Direito de Família, além do
Legislativo. Ele citou como exemplo o reconhecimento dos direitos de
"concubinas" em relacionamentos com "desquitados". Para o ministro, a previsão
constitucional de família como união entre "um homem e uma mulher" é uma
proteção adicional, não uma vedação a outras formas de vínculo afetivo.


"É preciso dar forma à sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos
prevista no preâmbulo da Constituição", afirmou o ministro. Segundo o ele, não
importa a causa – social, psicológica ou biológica, por exemplo – do afeto
homossexual. "Ele é uma realidade: as pessoas não querem ser sós. O vínculo
familiar homoafetivo não é ilícito, então qual o modelo que deve ser adotado
para regular direitos dele decorrentes? A união estável é a melhor solução,
diante da omissão legislativa", concluiu.


Divergência

O ministro Sidnei Beneti e o desembargador convocado Vasco Della Giustina, que
divergiram da relatora, afirmaram a impossibilidade de uma interpretação
infraconstitucional ir contra dispositivo expresso da Constituição. Assim, a
discussão sobre o tema ficaria a cargo do Legislativo e do Supremo Tribunal
Federal (STF).


Para eles, a união homoafetiva só poderia gerar efeitos sob as regras da
sociedade de fato, que exige a demonstração de esforço proporcional para a
partilha do patrimônio. Tal posicionamento é o que vem sendo adotado pelo STJ
desde 1998, e poderá ser revisto caso a maioria dos ministros acompanhe a
relatora.


Histórico

O caso trata do fim de um relacionamento homossexual de mais de dez anos. Com o
término da relação, um dos parceiros buscou na Justiça o reconhecimento de seu
suposto direito a parte do patrimônio construído durante a vigência da união,
mesmo que os bens tivessem sempre sido registrados em nome do ex-companheiro.
Segundo alega o autor, ele desempenhava atividades domésticas, enquanto o
parceiro mantinha atuação profissional.


A Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a união estável e determinou a
partilha dos bens segundo as regras do Direito de Família. Para o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), "a união homoafetiva é fato social que se
perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal,
impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva
constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à
vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana".


"Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na
sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu
por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos
emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de
vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera
consequência", concluiu a decisão do TJRS.


O parceiro obrigado a dividir seus bens alega, no STJ, que a decisão da
Justiça gaúcha viola artigos dos códigos civis de 1916 e 2002, além da Lei n.
9.278/1996. Esses artigos se referem, todos, de algum modo, à união estável
como união entre um homem e uma mulher, ou às regras da sociedade de fato.


O pedido é para que seja declarada a incompetência da Vara de Família para o
caso e para que apenas os bens adquiridos na constância da união sejam
partilhados, conforme demonstrada a contribuição efetiva de cada parceiro.


O processo foi submetido à Seção em razão da relevância do tema, por decisão
dos ministros da Terceira Turma. Quando se adota esse procedimento, de
"afetar" o processo ao colegiado maior, a intenção dos ministros é uniformizar
de forma mais rápida o entendimento das Turmas ou, até mesmo, rever uma
jurisprudência consolidada. A Seção é composta pelos dez ministros responsáveis
pelos julgamentos de casos relativos a Direito de Família, reunindo a Terceira
e a Quarta Turma do Tribunal.


Foto - Ministra Nancy Andrighi, relatora, favorável à união estável
homoafetiva; ministro Sidnei Beneti, que divergiu; e ministro Raul Araújo, que
pediu vista do processo.


Coordenadoria de Editoria e Imprensa
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=100884

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