Supremo Tribunal Federal

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terça-feira, 26 de abril de 2011


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GEORGE MARMELSTEIN - Dez Anos de Magistratura: breves relatos para memória

George Marmelstein Lima | Abril 26, 2011 at 11:43 am | Categorias: evento | URL: http://wp.me/pfo0E-LL

Aprovados no IV Concurso/TRF5 tomando posse no pleno do TRF5
Nesta semana, mais precisamente no dia 25 de abril, completei, junto com os meus colegas do IV Concurso/TRF5, dez anos de magistratura federal. Foram dez anos bem intensos e enriquecedores.
Lembro, por exemplo, da minha primeira audiência, dois dias depois de minha posse. Era um caso de anistiado político. Audiência extremamente tensa. Relatos de tortura. No banco de testemunhas, pessoas com mais de cinqüenta anos chorando na minha frente ao contar os abusos sofridos naquela época. Para mim, foi um verdadeiro batismo de fogo. Depois dali, todas as audiências foram relativamente fáceis.
Também me recordo que, ainda como juiz substituto, na 4ª Vara/CE, onde trabalhei de 2001 a 2004, passaram por mim processos bastante complicados. Ações civis públicas ambientais de grandes proporções (Complexo Portuário e Industrial do Pecém, Projeto Costa Oeste, entre outras), ações de improbidade administrativa contra ex-prefeitos (ainda com a competência da primeira instância sendo definida), casos de responsabilidade civil dramáticos (inclusive envolvendo tortura no exército), ação civil pública envolvendo a falta de leitos em UTIs e assim por diante. Foram praticamente quatro anos que me amadureceram muitos, especialmente porque tinha apenas 23 anos de idade e ainda mantinha a jovialidade de um estagiário.
Em meados de 2004, quando assumi a titularidade da 8ª Vara/RN, em Mossoró, o desafio foi completamente diferente. Até então, Mossoró não tinha vara federal. Minha missão era instalar a vara, inclusive o juizado especial federal totalmente virtual. Foi um trabalho descomunal. Acho que nunca trabalhei tanto em toda a minha vida. Lembro que, durante uns três meses, praticamente morei dentro do meu gabinete, chegando a dormir no chão, correndo sérios riscos de ser mordido por escorpiões que por ali transitavam.
Em Mossoró, os processos judiciais também eram bastante complexos. Como a vara era de competência geral, havia dias em que eu tinha que fazer audiências criminais, audiências do jef, despachar as desapropriações, impulsionar as execuções fiscais e ainda sentenciar os processos cíveis.
Um processo interessante que me lembro de haver julgado envolveu a disputa num assentamento rural controlado pelo INCRA. Quase duzentas famílias moravam no referido assentamento quando foram encontradas algumas fontes de petróleo em alguns lotes. A disputa envolvia os assentados cujos lotes foram agraciados com os poços de petróleo, que queriam os royalties para si, e os demais assentados, que desejavam que os royalties fossem distribuídos igualmente por todos. Tive que fazer uma inspeção judicial para conhecer a realidade do local. Várias pessoas me disseram para não ir ou então ir com forte escolta policial, pois o clima entre os assentados era de guerra. Conversei com os advogados de ambas as partes e percebi que não havia motivo para tanto medo. Cheguei sem escolta policial e fui recebido pelas crianças da comunidade cantando o hino nacional. Foi bem comovente.
Outro processo marcante era relativamente simples, mas envolvia um dilema pessoal. O nome do prédio da Justiça Federal de Mossoró foi uma homenagem a um ministro do STJ aposentado que ainda está vivo. O MPF ingressou com ação civil pública pedindo a retirada da referida homenagem, já que existe uma lei federal expressa que proíbe a colocação de nome de pessoas vivas em prédios públicos federais. Juridicamente, o caso é extremamente simples, pois uma aplicação quase mecânica da lei forneceria a resposta correta. Porém, a homenagem foi dada pelo Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, de modo que muitos juízes de primeiro grau se sentiriam incomodados em afrontar aquela escolha. Preferi seguir minha consciência e julguei procedente o pedido (depois o pleno do tribunal reformou minha decisão). O importante desse julgado é que não sofri qualquer tipo de afronta à minha independência por esse julgamento. Tanto é verdade que minha remoção para Fortaleza foi aprovada sem maiores transtornos.
No final de 2005, voltei a Fortaleza para assumir a 9ª Vara de Execução Fiscal. O desafio também era imenso. A 9ª Vara/Ce, ao que me consta, era a vara com a maior quantidade de processos do país. Havia 80 mil processos. Ainda em 2005, a Vara foi dividida, mas a quantidade de processos ainda era enorme: 40 mil. Hoje, depois de cinco anos de muito trabalho, conseguimos reduzir o acervo para 20 mil processos, sendo uma das poucas varas federais de execução fiscal do país que cumpriu integralmente a Meta 3/2010, do CNJ.
Nesse meio tempo, durante mais de três anos (2006/2010), cumulei as atividades da vara com a Turma Recursal do Ceará, inclusive a presidência da Turma. Foi também uma atividade difícil, pois as turmas recursais federais ainda não são bem estruturadas (na minha época, eram ainda piores do que é hoje) e não há prejuízo para a jurisdição originária, ou seja, temos que trabalhar dobrado, sem ganhar nada a mais por isso.
Fazendo esse retrospecto acelerado desses dez anos de magistratura, e mesmo sabendo que é difícil julgar a si próprio, fico feliz pelo trabalho feito até aqui. Por onde passei, posso ter cometido algumas falhas, mas tentei  sempre dar o melhor de mim. Sentencei muito, fiz muitas audiências e construí um equipe excelente de funcionários que tem tornado tudo isso bem mais fácil.
Mas nem tudo são flores. Apenas quem atua como juiz e tem plena consciência da importância da sua função sabe como é desgastante e até mesmo frustrante dedicar sua vida a uma profissão que não é valorizada pela sociedade.  É muito duro ouvir que todo juiz trabalha pouco, ganha muito e é corrupto. A vida de um juiz, pelo menos dos autênticos juízes, não é nada fácil. Há muito sacrifício, mudanças e renúncias.
E nesses tempos de paralisação, onde se pede para refletirmos sobre a dignidade da magistratura federal, só resta questionar: tem valido a pena? É difícil dizer. Hoje, exatamente agora, se eu tivesse o poder de interferir no destino de meus filhos, diria a eles para não seguirem meus passos. Tenho muito orgulho de ser magistrado, mas há outras profissões igualmente dignas e relevantes. Por isso, sugeriria que eles seguissem uma vida mais leve, onde eles possuíssem tempo para, de fato, poderem interferir no destino de seus filhos.

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