Supremo Tribunal Federal

Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A primeira morte de um Juiz

Des. Siro Darlan – RJ

Membro da Associação Juízes para a Democracia e do Instituto dos Advogados do
Brasil

O conceito moderno de promoção de saúde não pode mais ficar adstrito ao tratamento médico hospitalar e aos serviços de atenção à doença, mas inclui tudo aquilo que garanta a qualidade de vida e o desenvolvimento sadio das relações pessoais e interpessoais. A saúde deixou de ser tratada apenas nos limites dos consultórios médicos e das camas hospitalares para ser objeto de ações preventivas de intervenção que vão desde o ambiente familiar até a promoção de atividades recreativas, culturais, esportivas e de lazer com a colaboração de vários atores das áreas políticas e sociais.

A magistratura é uma atividade profissional das mais desgastantes tanto do ponto de vista do trabalho braçal quanto do intelectual. A resolução dos conflitos que lhes são confiados coloca o magistrado no olho do furacão da sociedade em ebulição com os mais diversos e variados conflitos de interesses. O juiz há que
se mostrar equilibrado, imparcial e isento de coloração política.No entanto o juiz inicia sua vida profissional depois de ultrapassar um difícil concurso público que lhe exige um vasto conhecimento de ciências humanas, do direito e de uma gama inumerável de variantes que precisará aplicar ao longo de seu solitário múnus de dizer o direito. Exercita o desgastante oficio de julgar seus semelhantes e as causas circunstanciais de todos os seres humanos, mas o julgador é tratado como um ser pensante infalível.

Enfrenta o caminho tortuoso da concorrência promocional sem critérios onde prevalecem decisões políticas e de favorecimentos de amigos e parentes, mas insiste em seu sonho de fazer justiça, mesmo sem vê-la triunfar em sua própria casa.

Sonha com uma justiça para todos, mas testemunha o funil estreito daqueles que conseguem vencer a corrida até os bancos dos tribunais em busca da manifestação justa do julgador, embora muitas vezes os que chegam estejam em situação desfavorável porque já receberam muito pouco na partilha social de uma sociedade
desigual.

Enfim apreende vícios do mando que exercita muitas vezes dentro de casa com seus familiares criando mais conflitos domésticos do que soluciona seus próprios problemas. A frustração de não conseguir mudar o mundo com seus mandados e sentenças começa a surtir efeitos na saúde e na personalidade, mas cria vínculos e raízes escravizantes.

Nessa caminhada do juiz cercado de multidões com sede e fome de justiça um dos mais graves problemas é o isolamento criado entre o abismo de suas decisões e os outros que delas dependem. Outra forma de isolamento é aquele que se interpõe entre o juiz e o mundo, ou seja entre suas atividades profissionais e qualquer outra atividade social na qual se sinta inserido e integrado.

O magistrado se afasta do mundo real e cria um outro mundo, o mundo legal, onde "o que não está nos autos não está no mundo" o que importa são os processos e seus caminhos, a jurisprudência e os códigos. Os personagens são os advogados, as partes, os promotores, os serventuários, oficiais, peritos. Essa é a sua vida e seus valores.

O magistrado deixa seu ego para viver o alter ego. As pessoas deixam de ter o significado de amigos, vizinhos e familiares e transformam-se em partes, advogados e promotores, personagens dessa outra realidade.

Esse isolamento o afasta do mundo real e o introduz no mundo dos autos, que por se tratar de versão dos fatos passa a ser quase uma ficção da vida.

Essa última forma de isolamento costuma ser revelado quando na iminência da aposentadoria, o juiz tem que se afastar de suas atividades profissionais. E aqui é como se o magistrado estivesse morrendo para esse mundo processual e busca voltar para o mundo real e sente-se um desconhecido. Ainda que estejam
cercados de amigos, que muitas vezes são capazes de morrer por uma causa comum, ainda assim a aposentadoria de um juiz equivale ao fim de uma atividade profissional que assim como a morte é a mais solitária das experiências humanas.

Esse abismo leva a depressão e falta de motivação para reconhecer aquele mundo que ele não conhece mais. Daí a necessidade de uma preparação para esse novo nascimento, melhor que isso, é preciso que haja uma preparação para viver-se concomitantemente o mundo do trabalho e o mundo real, da família, dos amigos, o
que possibilitará uma vida mais autêntica, realista e sensível às causas sociais e próprias da natureza humana em sua fragilidade e grandeza.

A busca dessa transição passa pelo encontro da psicologia com o direito. A psicologia busca a compreensão do comportamento humano com toda sua fragilidade e riqueza, já o direito é o conjunto de regras que procura regulamentar as relações humanas, prescrevendo condutas e regras de comportamentos capazes de
promoverem a paz social. Se obtivermos êxito na promoção desse encontro a transição do magistrado da atividade para a inatividade funcional não será mais que uma outra etapa da vida que continua no conjunto das relações com a família com os amigos e com a sociedade onde vivemos.

Fonte: http://www.anamages.org.br/site/

Nenhum comentário:

Postar um comentário