Supremo Tribunal Federal

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

A representação do Poder Judiciário em juízo

A representação do Poder Judiciário em juízo
 

Heloísa Monteiro Esteves - Professora de pós-graduação do IEC/PUC Minas e do CAD/Universidade Gama Filho, membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (Iamg)

 
No Estado contemporâneo, não mais se concebe a separação dos órgãos do poder da maneira como idealizada por Montesquieu, inspirado em Aristóteles. Embora cada um dos órgãos tenha uma função preponderante, certo é que todos exercem, também, funções atípicas, peculiares aos demais. Já se foi o tempo em que cabia ao Judiciário tão somente exercer a jurisdição, ou seja, dizer o direito no caso concreto. Nos dias modernos, as funções administrativas do Judiciário se avolumam e a tendência é que esse crescimento continue.

O Judiciário participa na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias, administra seu próprio orçamento, realiza concursos para provimento dos cargos de magistrados, servidores e para as serventias dos cartórios extrajudiciais, promove licitações, contrata serviços, pratica atos relativos à vida funcional de servidores e concernentes ao desenvolvimento da carreira dos magistrados, elabora planejamento estratégico etc.

Tal situação, consectário lógico do tratamento que a Constituição de 1988 conferiu ao Poder Judiciário, assegurando-lhe autonomia administrativa e financeira (artigo 99, caput) e possibilitando-lhe amplo exercício anômalo da função administrativa, pode ser constatada, também, pelos recentes cursos de especialização e mestrado que têm sido ofertados no país e que apresentam como linha de pesquisa a administração judiciária, algo impensável há duas décadas atrás. Nesse contexto, fato é que o Judiciário não só julga como é, também, demandado em juízo, já que, ao exercer funções administrativas, pratica inúmeros atos passíveis de questionamento e impugnação.

Assim, causa estranheza não ser o Judiciário dotado de representação própria em juízo, à semelhança do Legislativo e do Executivo. Se é dada ao Legislativo a prerrogativa para a criação de um órgão próprio para tal fim, haja vista a existência, hoje, de procuradorias gerais junto às Assembleias Legislativas de todos os estados, o mesmo ocorrendo com o Executivo – no caso específico de Minas Gerais, por meio de sua Advocacia-geral – seria razoável cogitar da criação de procuradorias do Judiciário, a funcionarem junto aos tribunais. Negar tal possibilidade implica ferir os princípios constitucionais da isonomia e da independência entre os poderes (artigo 2º) e da autonomia do Judiciário (artigo 99), uma vez que, no quadro que se delineia, somente o Judiciário se vale de um órgão vinculado ao Executivo para a defesa de seus interesses em juízo, muitas vezes conflitantes com os interesses do Poder responsável pela defesa.

Não se discute a representação do Estado pelo chefe do Executivo e sim a possibilidade de o Judiciário, à semelhança do que já ocorre com o Legislativo, defender suas prerrogativas e autonomias em juízo, sem depender do Executivo. No que concerne aos mandados de segurança, já se pacificou o entendimento no sentido da legitimidade passiva e ativa do Judiciário, tendo-lhe sido reconhecida a qualidade de ter personalidade judiciária (ou capacidade processual), mesmo não sendo dotado de personalidade jurídica.

Não há, no entanto, razão a justificar que tal capacidade processual fique adstrita aos mandados de segurança, devendo ser igualmente estendida a todas as ações judiciais, consequência do modelo constitucional inaugurado pela Constituição Cidadã que aboliu a concentração das prerrogativas estatais no Executivo, imposta pela EC 1/1969. A ideia não é nova, conquanto, numa primeira análise, possa parecer ousada. O Supremo, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin)175-2, ocorrido nos idos de 1993, já entendia ser constitucional, em relação aos artigos 132 da Constituição Federal de 1988 e 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o artigo 56 do ADCT da Constituição do Paraná, que previa a existência de carreiras jurídicas específicas do interesse de cada um dos poderes do Estado.

Bernardo de Souza, procurador da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ressalta que "a tripartição constitucional dos poderes, com harmônica independência (CF, artigo 2º), e suas explícitas autonomias, financeira e administrativa (CF, artigo 51, IV; artigo 52 XIII e artigo 99) trazem como decorrência a impossibilidade jurídica de que órgão de um dos poderes faça a representação em juízo dos demais; a legitimidade, para cada poder, de comparecimento em juízo, em nome próprio e, decorrentemente, a legitimidade aos poderes Legislativo e Judiciário para sustentar em juízo, em nome próprio, seus atos institucionais típicos (lei e sentença) e seus atos administrativos".

A discussão em torno do assunto vem crescendo, estando, no momento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul à frente das pesquisas acerca de como ocorre a representação dos tribunais de Justiça em juízo, a fim de subsidiar estudo a ser apresentado em Encontro do Colégio Permanente de Vice-Presidentes de Tribunais de Justiça. A questão é relevante, merecendo, pela sua importância, ser levada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pois é preciso conceber a ordem jurídica e o Estado na dinâmica que a sociedade nos cobra, no movimento contínuo de mudanças que nos exige pensar um novo direito.
 
Fonte: jornal Estado de Minas 10/10/2011

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