Supremo Tribunal Federal

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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Prestes a se aposentar, ministra do STF Ellen Gracie diz:"Judiciário é o poder menos corrupto"

Prestes a se aposentar, ministra do STF Ellen Gracie diz:"Judiciário é o poder menos corrupto"


A ministra que acaba de sair do Supremo Tribunal Federal avalia o papel do Judiciário no cumprimento das leis e na manutenção das liberdades e direitos constitucionais.
A juíza Ellen Gracie Northfleet, de 63 anos, entregou há três semanas seu pedido de aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF). Indicada pelo presidente Fernando Hen rique Cardoso, em 2000, Ellen foi a pri meira mulher a chegar à mais alta corte do país. Ao longo de dez anos e meio, proferiu cerca de 30000 decisões, presidiu o STF e o Conselho Nacional de Justiça e foi vice-presidente do Tribunal Su perior Eleitoral. A ministra poderia con tinuar no tribunal até 2018, mas ela se considera "muito realizada". Apesar de ter se formado e construído a carreira no Rio Grande do Sul - onde moram a única filha e a neta -, Ellen está a cami nho do Rio de Janeiro natal.
A curto pra zo, vai retomar o registro na Ordem dos Advogados do Brasil para trabalhar com pareceres, consultoria e arbitragem. Se gue o desejo, no entanto, de ser nomeada para um fórum internacional. Em 2008, ela foi derrotada na disputa por um as sento na corte de apelação da Organiza ção Mundial do Comércio. "Se houver uma oportunidade, vou analisar", diz a ex-ministra. "Mas não em qualquer lu gar. Não estou fugindo do país." No seu apartamento em Brasília, ela concedeu a seguinte entrevista a VEJA.

Foram quase onze anos no Supremo. O tribunal mudou muito nesse tempo?
Creio que a corte de dez anos atrás era mais contida, mais dada ao judicial restraint, uma expressão em inglês que indica um esforço para não se substi tuir ao legislador. Acontece que a de manda para que o STF resolvesse im passes políticos também era menor. Hoje, há temas controversos que o Congresso não aborda. Os parlamenta res não querem se comprometer com uma posição. As demandas, então, vão parar no Supremo, que nao tem outra saída senão decidir sobre tais assuntos. Há também o famoso "terceiro turno" - quando a minoria vencida no Legislativo recorre à corte para reverter ou amenizar a derrota. Eu não diria que existe no STF uma atitude concer tada para adotar o ativismo judicial. Alguns ministros - muito bem ampa rados na doutrina e na técnica - avan çam mais nessa direção. Outros, me nos. Não vejo, contudo, um interesse em aumentar o poder do Supremo. Nosso poder já é bem grande. O certo é que nesses últimos dez anos foram as circunstâncias que fizeram do dilema entre ativismo e contenção um aspecto central para a corte.

Uma das decisões em que o ativismo do Supremo ficou mais patente é aquela que confere o status de família à união estável entre pessoas do mesmo sexo. A Consti tuição é explícita em dizer que a família no Brasil é formada por homem e mulher. A corte reescreveu a Carta Magna?
O Brasil, desde o pórtico de sua Consti tuição, diz que não admite discrimina ção. Então não há motivo para que con cidadãos nossos sejam tratados de ma neira diferente por causa de sua orienta ção sexual. Assim como nós não admiti ríamos que eles fossem tratados diversa mente por questões de cor ou de reli gião, também a orientação sexual não deve ser um fator impeditivo a que eles gozem de isonomia em relação aos ou tros cidadãos. Essa é a base da decisão. Um país decente não discrimina entre os seus cidadãos. Meu voto foi no senti do de que todos os direitos correspon dentes a uma união estável entre pes soas de sexo oposto sejam estendidos aos homossexuais, inclusive o direito de adoção. Mas as discussões sobre os di reitos dos homossexuais ainda não ter minaram no Supremo, elas certamente voltarão ao plenário.

A senhora foi a primeira mulher a assu mir uma cadeira no tribunal. É importan te que uma mulher a substitua?
Acredito que a sociedade brasileira entrou em outra fase. Neste momento, o país é presidido por uma mulher. No Supre mo, temos ainda a ministra Cármen Lúcia. O peso simbólico de uma esco lha feminina já não é tão grande. Se a presidente quiser escolher uma mulher, no entanto, sua gama de alternativas será bem grande. O Judiciário brasilei ro se destaca no mundo porque 30% da primeira instância é formada por mulheres, e quase o mesmo porcentual se repete na segunda instância. Existe uma massa crítica muito boa da qual a presidente poderá tirar um nome femi nino, se tal for a sua vontade.

O Supremo vivia atulhado de processos. Essa questão foi equacionada?
Até 1988, o Supremo podia escolher os ca sos que iria analisar. Isso mantinha o número de processos em um patamar manejável. A Constituição de 1988 ti rou essa prerrogativa da corte. Além disso, por ser muito detalhista, a Carta permite que os advogados sempre en contrem uma raiz constitucional para os seus pleitos. Desde a faculdade, eles são orientados a incluir questões constitucionais em suas petições, de modo que a causa possa mais tarde subir até o Supremo. Tudo isso acarretou uma explosão do número de causas que tra mitam na corte. Em meados da década passada, chegou a haver 150000 pro cessos distribuídos entre os gabinetes dos ministros. Isso torna inviável o tra balho de uma corte constitucional. Houve, no entanto, um divisor de águas que nos levou de volta ao bom caminho. Estou falando da Emenda 45 e das leis que a regulamentaram, per mitindo o uso da repercussão geral e da súmula vinculante. Depois disso, houve uma clara redução de números. Em 2010, apenas 15000 processos fo ram distribuídos. É muito, em compa ração com outros países, mas um avan ço inegável para nós.
Se o instrumento é eficaz, por que é pe queno o número de súmulas pública das?
Sou uma defensora da adoção das súmulas vinculantes há trinta anos. Sou também muito restritiva no uso dessa ferramenta. Não há contra dição aí. As súmulas diminuem o nú mero de processos que chegam ao Su premo na exata medida em que au mentam a segurança jurídica. Para que desempenhem esse papel, é funda mental que sejam muito precisas. Se a súmula não é feita com cuidado e enseja uma nova dúvida, ela não cum pre o seu papel de estabelecer uma ju risprudência que permita que proces sos semelhantes ao analisado sejam julgados com mais rapidez e não che guem mais às instâncias superiores. Isso às vezes acontece. Há súmulas que os próprios ministros quiseram reescrever já no dia seguinte à pública ção. Por isso, o tribunal está certo em não se apressar na edição de súmulas.
Em maio, o tribunal determinou a prisão do jornalista Pimenta Neves, onze anos depois do assassinato que ele confessou. Com a redução no número de processos, o Supremo tende a decidir com maior ve locidade?
O grande problema do Judi ciário hoje é a lerdeza. As ações demo ram muito, especialmente as penais. O sistema de recursos e nulidades do processo penal brasileiro é inacreditá vel, quase impede uma condenação. Um bom advogado tem à sua disposi ção um arsenal quase infinito de mano bras para dificultar o desenvolvimento do processo. Ou seja, a culpa não é ex clusivamente do Judiciário. Mas nós também temos nossa parcela de respon sabilidade. Deveríamos nos equipar, ter mais juízes criminais. E acredito que, mesmo na corte suprema, nem sempre tomamos a melhor decisão. Em 2009, por exemplo, o tribunal alterou sua jurisprudência com relação à possibilida de de cumprimento das penas logo de pois depois da confirmação da sentença em segundo grau. Até então, o tribunal sempre tinha entendido que, confirma da a sentença no Tribunal de Justiça, nada impedia o início da execução. Em 2009, isso mudou. Não concordei com essa posição e discordo dela até hoje.
A senhora é considerada linha-dura em questões penais. Concorda com essa de finição?
Sou rigorosa em matéria penal. Acho que é preciso ser. No Brasil, de pois da redemocratização, passamos por um período de rechaço absoluto a tudo que significasse repressão. Mas qualquer país democrático precisa ter repressão ao crime. É preciso que haja conseqüência para o delito, que o direi to penal seja efetivo. No entanto, quan do for aplicada a pena, é necessário que o sistema prisional cumpra sua finalida de de ressocialização. As penas não existem apenas para punir. Elas devem preparar a pessoa para que saia em con dições de ser reabsorvida pela socieda de. E isso não acontece até hoje.
A lerdeza que a senhora mencionou tam bém dificulta o combate à corrupção, e ajuda a disseminar o sentimento de que corruptos, especialmente políticos, não são punidos no Brasil. O julgamento do mensalão, que se aproxima, vai mudar esse roteiro?
Eu não vou participar do julgamento do mensalão, e não me ar risco a prever seu desfecho. Se não me engano, já foi decretada a prescrição de um crime. Outros réus talvez sejam condenados a penas pequenas que, pela passagem do tempo, não será viável executar. De modo geral, contudo, esse processo andou de maneira célere no Supremo. O relator, ministro Joaquim Barbosa, já ouviu 600 testemunhas em dois anos. Nenhuma vara criminal nes te país teria tido capacidade para fazê lo. Isso foi possível, em pane, porque houve a digitalização completa do pro cesso. Minha primeira observação, portanto, é que mudanças nos métodos de trabalho podem trazer resultados fantásticos. O Judiciário ainda lida com práticas herdadas do século XIX, mas estamos nos livrando de muitas delas, o que deve racionalizar nosso trabalho. Em segundo lugar, o papel do Supremo não é punir, mas julgar de maneira correta e respeitar as garantias que são de todos os cidadãos. Não po demos cercear a defesa, nem passar por cima dos direitos dos acusados. Isso talvez crie frustrações momentâ neas, mas, a longo prazo, a consolida ção das instituições democráticas é o que importa.
Nos últimos anos, houve algumas dis cussões muito ríspidas entre ministros. O clima no Supremo é tenso?
O tribunal está em paz. E, em geral, o convívio entre os ministros é muito bom. Dis cussões acaloradas sempre ocorreram na corte a diferença é que atualmen te, com a televisão, as reações mais exaltadas ficam à vista de todos.
É bom que as sessões do Supremo sejam transmitidas ao vivo pela TV?
Se os mi nistros tivessem podido votar sobre o assunto lá atrás, quando o canal foi ao ar, acredito que a maioria teria sido contrária. Eu mesma não teria aprovado a ideia. Sempre que um juiz estran geiro visita o Brasil, a transmissão das sessões ao vivo causa espanto. É algo que não existe em outros lugares. Para muitos, é uma subversão da lógica de funcionamento de uma corte suprema. Há tribunais que mantêm em segredo até o nome do relator de um processo. Mas agora os benefícios da televisão estão claros. Ela dá grande transparên cia à Justiça. Essa transparência é im portante, não é possível regredir. Du rante a minha presidência, discutimos a possibilidade de editar as sessões. Mas aí ficamos com um problema seriíssi mo: quem faria essa edição? Quem ha veria de cortar a palavra deste ou da quele ministro? Mantivemos o forma to, que está bem aceito pela comunida de jurídica. Mesmo que às vezes deixe os ministros muito expostos.

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