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sábado, 23 de fevereiro de 2013

PENSAR » Homem das montanhas

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Centenário de Dantas Mota, que será celebrado este ano, chama a atenção para a obra do autor do poema Elegia do País das Gerais


Carlos Herculano Lopes

Publicação: 23/02/2013 04:00
Poesia de Dantas Mota ganhou reconhecimento de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade (Arquivo EM)
Poesia de Dantas Mota ganhou reconhecimento de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade
Ainda não há homenagem oficial prevista em Carvalhos, no Sul de Minas, para comemorar o centenário de nascimento do filho ilustre, o poeta José Franklin Massena Dantas Mota, no dia 22 de março. Quem informa é a secretária de Educação da cidade, Laura Cristina Diniz de Freitas. Também em Aiuruoca (na época sede do município), onde o escritor viveu quase toda a vida, nenhum evento está sendo organizado, informa Marlon Moreira Arantes, chefe de Divisão da Cultura da prefeitura local. "Estamos assumindo agora, as coisas não estão fáceis. Talvez façamos alguma coisa simples, muito aquém do merecimento do escritor", justifica.

Por ocasião da morte do poeta, em 9 de fevereiro de 1974, em um hospital no Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade, que além de amigo era admirador de sua obra escreveu: "Se um dia a Terra for governada por poetas, o poeta de Minas, só poderá ser um: Dantas Mota". Como a realidade não é bem assim, os 100 anos do escritor, em Aiuruoca e Carvalhos, poderá passar em brancas nuvens. No estado, a data será lembrada com número especial do Suplemento Literário de Minas Gerais, que está sendo organizado, ainda sem data certa de publicação, pelo professor de literatura e escritor Caio Junqueira Maciel.

Estudioso da obra do poeta, que conheceu na infância, quando ele frequentava a farmácia do seu pai, em Cruzília, também no Sul de Minas, Caio diz que, embora já tenham se passado quase 40 anos da sua morte, a leitura da poesia de Dantas Mota prossegue inquietadora e repleta de indagações de ordem social, metafísica e mítica. "Trata-se de uma obra universal, que se nutre de aspectos líricos, bíblicos, jurídicos e assinala profunda reflexão sobre a vida e a morte", afirma.

Antes de se mudar para Belo Horizonte, onde se formou pela Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, em 1938, Dantas Mota viveu em Itanhandu, no Sul de Minas, onde fez parte da Revista Elétrica, que era dirigida pelo escritor Heitor Alves e teve seu primeiro número publicado em 1927. Pedro Nava e Ribeiro Couto foram colaboradores. Os ecos da Semana de Arte Moderna, que havia acontecido em São Paulo cinco anos antes, ainda se faziam ouvir em boa parte do país. Lá mesmo em Itanhandu, Dantas Mota escreveu seu primeiro livro de poesia, Surupango. Mas o rejeitaria pelo resto da vida, embora tenha recebido elogios de Eduardo Frieiro e Heitor Alves.

Em Belo Horizonte, ainda na Faculdade de Direito, Dantas Mota chegou a participar de outra revista literária, a Surto, sobre a qual quase nada se falaria. De volta a Aiuruoca, pouco depois da formatura, começou a exercer a advocacia, com a qual se tornou conhecido (consta que era um ótimo orador), em tudo o Sul mineiro e em algumas cidades do interior de São Paulo. Seu primeiro livro, que assumiria como tal, Planície dos mortos, foi publicado em 1945.

Sua vocação para a poesia, como lembrou numa entrevista de 1973, um ano antes da sua morte, começou aos 6 anos, quando sua mãe, Ana Cecília, leu para ele o poema Meus oito anos, de Cassimiro de Abreu, sob a luz amarela de um lampião. "Meus pais, na realidade, nunca se importaram que eu fosse poeta ou não. O que eles queriam mesmo é que eu fosse doutor. E por amor a eles resolvi conciliar as duas coisas. Posso não ser bom poeta, e creio na fatalidade do meu esquecimento como tal, mas creio não ser um mau advogado, esquecimento que quero à medida do avanço do tempo em energia e velhice", disse.

Além de advogado e poeta, Dantas Mota, que não dispensava um bom trago depois do trabalho, um dedo de prosa com os amigos, nem o tradicional cigarrinho de palha, feito com fumo de Perdões, foi também um político ardoroso, embora nunca tenha se candidatado a nada. Mas cogita-se que, em determinada época, chegou a acalentar o sonho de ser deputado pela UDN, que se digladiava com o PSD. Eram os dois maiores partidos do país.

De acordo com depoimento de Affonso Ávila ao jornal O Estado de S. Paulo, quando da morte do poeta, sua obra pode ser vista também pelo viés político, sobretudo em Epístola de São Francisco aos que vivem sob sua jurisdição, no vale (Editora Martins Fontes, 1955). Amigo e correspondente do escritor, Ávila, que morreu em setembro do ano passado, dizia se identificar muito com a poesia de Dantas Mota. "Como a dele, minha poesia também busca focalizar o homem mineiro", escreveu.

Caipira civilizado


Já Carlos Drummond de Andrade, em artigo publicado no Estado de Minas, em 1979, dizia que Dantas foi o caipira mais civilizado que conheceu entre os literatos. "Nas cartas é que ele falava mais de seus trabalhos poéticos, desenvolvendo questões teóricas sobre o verso. Lembro-me de uma noite de 1956 (posso datar nossos encontros, pois não eram comuns) em que ele passou o tempo todo me dando uma aula sobre as terríveis condições da economia mineira, àquela época. Os órgãos oficiais, dizia Dantas, faziam o possível para acabar com o Estado como poder econômico individualizado", escreveu Drummond.

 Antecipando a polêmica que recentemente voltou à tona, sobre a proibição ou não de continuar fabricando o queijo de minas artesanal pelo método tradicional, Dantas já reclamava com o amigo de "leis e portarias proibindo fazer queijo, a não ser em queijarias sofisticadas, com jardim ao redor...".

Admirado também por Mário de Andrade, com o qual chegou a trocar algumas cartas (quatro delas foram publicadas no livro Elegia do País das Gerais – Poesia completa, lançado em 1988 pela José Olympio Editora, em parceria com o Instituto Nacional do Livro), Dantas Mota, ainda na visão de Caio Junqueira Maciel, pode ser associado, didaticamente, à Geração de 1945. "Entretanto, sua poesia se alimenta de elementos provindos desde o primeiro modernismo e tem forte afinidade com o surrealismo de Murilo Mendes e com a poesia de Carlos Drummond de Andrade, de quem, sem dúvida, Dantas foi um admirador, mas optando por outros recursos expressivos, a ponto de se tornar um poeta singular. O que mais se admira nele é o assombro único que sua poesia destila", diz.

Caio cita Elegias do País das Gerais, lançado em 1945 pela Editora Flama, como o melhor conjunto de poemas, no qual Dantas Mota atinge plena maturidade e harmonioso discurso em relação à proposta social e existencial. "Nesse livro ele faz uma poesia de protesto, rica em força expressiva, em que se percebem vozes não só bíblicas, mas que pertencem à poesia universal", completou.

De acordo com o filho do poeta, o jornalista Lourenço Dantas Mota, que vive em São Paulo, não está programado no Brasil o lançamento de livro comemorativo do centenário do pai. "Toda a sua poesia, inclusive os inéditos que deixou, foram publicados na Poesia completa, pela José Olympio. Uma boa novidade é que dois poemas dele foram incluídos na antologia bilíngue La poésie du Brésil, que acaba de sair na França, pela Editora Chandeigne ", conclui.

Trecho de Elegia do País das Gerais
De Dantas Mota

"País das Gerais, sou teu filho.
Ninguém sabe quando sou boi,
Ninguém sabe quando sou leão.
Na planície me sinto triste,
Na montanha me sinto alegre.
Duro é saber que estou
Lá embaixo, exilado e só,
Sentindo a saudade da serra.
Na montanha nasci,
Por certo, na montanha morrerei."

Fonte: http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2013/02/23/interna_pensar,68221/homem-das-montanhas.shtml

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