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quarta-feira, 23 de março de 2011

"OS ESTUDANTES DE DIREITO PRECISAM LER DELIRANTEMENTE"
Revista Del Rey Jurídica

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias
Advogado.
Mestre em Direito Civil e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG.
Professor nos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da PUCMinas.
Coordenador Adjunto do Programa de Pósgraduação em Direito da PUCMinas.
Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Tenho escutado de alguns estudantes de direito que, diante da aprovação do texto
do Projeto de novo Código de Processo Civil no Senado Federal (Projeto de Lei nº
166/210), agora remetido para discussão na Câmara dos Deputados, por
aconselhamento de alguns professores e advogados, a partir de agora não mais
iriam adquirir livros de processo civil para seus estudos, porque "vai mudar
tudo".

Parece-me que essa afirmativa é mais uma desculpa esfarrapada para o estudante
de direito deixar de realizar um estudo sério ao longo do curso, afastado da
indispensável leitura dos textos de livros jurídicos, é a regra do comportamento
estudantil atual, o que vem acarretando um contingente expressivo de Bacharéis
egressos das Faculdades de Direito com má ou nenhuma formação técnica e
científica.

Prova cabal desse quadro desastroso são os resultados do exame nacional
unificado realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, ao qual deve submeter-se
o bacharel em direito que pretende exercer a profissão de advogado (exame também
realizado em muitos outros países, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha,
Portugal), cujos índices de reprovação, nos últimos anos, têm oscilado entre
80,5% (em 2008) e 88% (em
2010).

Em princípio, na área do processo civil, deve ser afastada a ideia equivocada de
que "vai mudar tudo", a fim de justificar o desprezo cada vez maior do estudante
de direito pelos livros, por não condizer com a realidade. Em obra contendo
estudos sobre o Projeto do novo Código de Processo Civil, recentemente lançada,
os Professores Fernando Horta Tavares e Maurício Ferreira Cunha, em estudo sério
e aprofundado, bem alcançaram e registraram que "de uma simples leitura dos 1008
artigos do Projeto de Lei do Senado Federal nº 166/2010 (nos termos do relatório
final encaminhado para votação pelo plenário do Senado em dezembro de 2010), é
possível constatar que aproximadamente 80% dos dispositivos são reproduções
literais do texto vigente". Assim sendo, após a discussão do Projeto do novo
Código de Processo Civil que ainda será iniciada na Câmara dos Deputados, se
aprovado fosse seu texto como está, o que se afigura muito difícil e ainda sob
previsível e acentuada demora, até sua provável vigência, o novo Código de
Processo Civil só traria 20% de possíveis novidades. Aliás, a própria Exposição
de Motivos do Projeto apressou-se em esclarecer que, no seu texto, foram
mantidas todas as reformas anteriormente introduzidas desde 1992 no Código de
Processo Civil em vigor, procurando-se criar um Código novo, "que não significa,
todavia, uma ruptura com o passado".

É preciso evitar o péssimo e irritante hábito, já enraizado nas Faculdades de
Direito deste país, de o aluno estudar as matérias jurídicas unicamente pelas
anotações lançadas no seu caderno, tomando por base as exposições feitas em sala
de aula pelo Professor, no sistema anacrônico do magister dixit. Ora, é óbvio
que, depois de formado, não mais utilizará tais anotações no exercício da
atividade profissional escolhida, como advogado, promotor ou juiz, pois sua
fonte de consulta única, de estudo permanente, de atualização
e de aperfeiçoamento sempre será o livro. Por isso, urge que os alunos dos
Cursos de Direito se conscientizem da necessidade imperiosa de estudarem as
matérias nos livros indicados nas bibliografias básicas dos programas
curriculares. Se a bibliografia for muito
extensa e não dispuser o estudante do tempo necessário ao seu exame completo,
situação muito corriqueira, infelizmente, pelo menos um livrotexto deverá ser
lido diariamente, como principal e indispensável fonte de seu estudo. Como há
algum tempo acentuou expressivamente o Professor Paulo Sérgio Pinheiro, em
recomendação a meu ver bem atual, que sempre repito nas minhas aulas, para a
aprendizagem "o mais importante é a biblioteca, o Professor é apenas uma
indicação trajetória, o aluno precisa ler delirantemente".

Como Professor de Direito Processual Civil há cerca de 25 anos, posso dar o
testemunho de que os alunos mais bem sucedidos profissionalmente, após formados,
na advocacia, na magistratura ou como integrantes do Ministério Público, são
exatamente aqueles que sempre estudaram em textos de livros, permanentemente
atentos ao exame da doutrina, apreendendo e fixando indispensáveis conceitos
científicos ao exercício das suas atividades.


Na graduação em direito, o defeituoso estudo tendo como fonte exclusiva
anotações em cadernos, comportamento que é regra hoje constatada, não conduz a
qualquer resultado satisfatório. O estudo correto é aquele feito tendo como
consulta, pesquisa e leitura metódica os textos dos livros jurídicos, sobretudo
os clássicos. Minha experiência no magistério dita que a aprendizagem bem
sucedida está a exigir muito mais do aluno. Entendo que, no processo de
aprendizagem, o Professor contribui, no máximo, com 20% no seu bom resultado. O
restante depende do aluno, que precisa estudar nos textos dos livros
diariamente, neles localizando a matéria lecionada em sala de aula, assim
apreendendo e fixando os conceitos científicos ali expostos.

A propósito, já tive a oportunidade de acentuar em livro anteriormente escrito,
a deficiente formação técnica e científica hoje observada nos egressos das
Faculdades de Direito, quando autorizados ao exercício da advocacia, causada
pela ausência de estudo e pesquisa constantes nos textos dos livros jurídicos,
tem revelado um hiato, um colossal abismo, um enorme fosso, entre os conteúdos
científicos, técnicos e metodológicos da ciência do direito processual, expostos
em vários e notáveis livros de doutrina jurídica, e o que se passa na conturbada
prática do foro, a gerar tumulto, balbúrdia, atecnias e deturpações nos
processos judiciais, em nível cada vez maior e preocupante, o que vai desaguar
na interposição de recursos, de modo a se restabelecer a ordem e a racionalidade
dos processos, visando à realização do direito material ou direito substancial
discutido pelas partes litigantes.

Logo, deve o aluno de direito evitar ter como referência principal de seu estudo
as anotações feitas, durante a aula, de toda a exposição feita ou ditada pelo
Professor, que jamais será completa ou exaustiva, o que se revela perda de tempo
e acarreta formação defeituosa, porque a matéria exposta encontra-se
desenvolvida em qualquer livro indicado na bibliografia, e que foi consultada
pelo Professor ao preparar sua aula, daí a necessidade absoluta de sua pesquisa
e leitura. Obviamente, breves notas sobre a exposição feita pelo Professor e que
devem constituir simples roteiro para seu estudo, poderão e deverão ser feitas
pelo aluno. Mas o que se revela totalmente desaconselhável é o estudo unicamente
feito nas anotações de cadernos, como está a ocorrer na atualidade, com total
desprezo à leitura dos livros indicados nas bibliografias.


Por tudo isso, o destino do estudante de direito tem de ser mesmo a biblioteca e
a fórmula do sucesso, sem sombra de dúvida, é e sempre será ler diária e
delirantemente os textos dos livros jurídicos indicados nas bibliografias.

Fonte: http://www.livrariadelrey.com.br/livraria/revista/REVISTA_DELREY_24.pdf

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